Se você pudesse escolher entre ganhar 3 mil ou 120 mil reais, o que escolheria? Se o esforço fosse o mesmo, em que situações faria sentido abrir mão de 117 mil reais apenas para “tirar uma” com a cara de alguém? E se fosse com o dinheiro dos outros, ou melhor, dinheiro da sua organização? Justificaria? E mais: e se você fosse o presidente dessa organização? Seria irresponsável tomar uma decisão que não é a melhor para sua organização baseada em um argumento qualquer que justificasse abrir mão de 40 vezes uma receita?
Tomar boas decisões às vezes pode ser uma arte. Decisões tomadas “de qualquer jeito”, baseadas em elementos duvidosos como ego, oportunismo, necessidade de aparecer, vontade de chocar os outros, vingança ou por puro recalque mesmo são um prato cheio para as coisas irem mal. É preciso muito cuidado na hora de se tomar decisões, pois um aparente ganho certo pode render muito pouco. Como se diz popularmente, “menos é mais”. Vamos ver esse exemplo recente do futebol brasileiro.
O presidente do Grêmio Osasco Audax, o ex-jogador Vampeta, anunciou preços de ingressos mais elevados para o jogo do seu time contra o São Paulo, na estreia do Campeonato Paulista. Mais adiante, ainda afirmou que não cobraria o mesmo preço caso o jogo fosse contra Corinthians, Palmeiras ou Santos. O fator que motivou o presidente do Audax a inflacionar os preços foi a estreia do ex-goleiro e ídolo são-paulino, Rogério Ceni, como técnico do time da capital paulista.
Se viu como uma oportunidade de faturar alto, o presidente do clube de Osasco acabou tomando um revés, pois a torcida são-paulina articulou um boicote ao jogo. A polêmica ainda teve muitas idas e vindas, mas o fato é que menos de 3 mil pessoas foram à Arena Barueri, estádio que tem capacidade para cerca de 28 mil torcedores. A decisão do gestor maior do Audax acabou rendendo aos cofres do clube pouco mais de 3 mil reais. Ele ainda afirmou que não precisava do dinheiro da torcida são-paulina, pois, como sabemos, a renda dos jogos é a “grana da pinga” para um time de futebol, mesmo para o pequeno Audax. Isso é verdade, pois os contratos de patrocínio e cotas de de TV rendem muito mais do que as receitas com os jogos. Daí a se justificar rasgar 120 mil reais, há uma distância muito grande. Em muitos lugares, seria caso para demissão.
Esperei até hoje para escrever esse post, pois precisava de uma base de comparação realista. E essa base foi o jogo do último domingo do Audax contra o Corinthians, claro, com preços mais baixos e num estádio menor (o acanhado Prefeito José Liberatti, em Osasco, estádio com capacidade para pouco mais de 6 mil torcedores).
Esse jogo foi acompanhado por 6330 pessoas (estádio lotado), quantidade que é quase o triplo de torcedores que foram ao palco da estreia do São Paulo (correspondendo a menos de 10% da capacidade do estádio de Barueri). No jogo contra o Corinthians , o time de Osasco faturou um pouco mais de 120 mil reais (e estou falando de renda líquida, o que sobra depois de pagar as despesas do jogo). Os relatórios financeiros estão disponíveis no site da Federação Paulista (aqui o do jogo do São Paulo e aqui o do Corinthians).
Aqui, por razões didáticas, simplifiquei um pouco os demonstrativos, de forma que fosse possível colocá-los lado a lado. Ainda reagrupei as despesas, separando o que me foi possível perceber como custos variáveis (aqueles que aumentam ou diminuem em função da quantidade de produto vendido ou serviço realizado – no caso dos jogos, em função do número de torcedores), tais como impostos e taxas, seguro, a emissão dos ingressos e o controle de entrada dos torcedores; e aqueles que seriam os custos fixos (que são incorridos independentemente da quantidade de torcedores), por exemplo, os exames anti-doping, a equipe de apoio e o delegado do jogo.

Comparativo dos boletins financeiros dos jogos do Audax contra São Paulo (esq.), em 05/02/2017 e contra Corinthians (dir.), em 19/02/2017.
Numa categoria intermediária, mas ainda classificada como custos fixos, está o policiamento, pois, claro, se é esperada uma quantidade maior de torcedores, há mais custos nessa categoria. Mas isso é determinado ANTES de o jogo acontecer. Por isso vemos uma das principais diferenças dos custos dos jogos nessa rubrica. Outro item é o quadro móvel, que segue a mesma lógica. São aquelas pessoas que trabalham no dia do jogo para dar apoio aos torcedores. Provavelmente, no jogo de Osasco, o Audax não precisou de equipes extras.
No fim das contas, o Audax faturou apenas R$ 1,51 por pessoa no jogo contra o São Paulo ante os R$ 19,04 do jogo contra o Corinthians. Talvez, o presidente do clube pudesse ter tomado uma decisão menos arrojada e mandado o jogo em Osasco, o que daria no primeiro jogo um ganho semelhante ao do segundo.
Provavelmente, ele pode ter imaginado que colocaria 20 mil torcedores em Barueri, o que com o valor médio do ingresso de R$ 46,09, lhe daria mais de 600 mil reais de receita líquida. Seria ambicioso demais supor que tantas pessoas pudessem pagar um preço elevado, ainda mais com toda polêmica criada sobre o assunto.
Agora, se tivesse feito preços ‘camaradas’, digamos um ticket médio de 25 reais (preços bem acessíveis), talvez tivesse conseguido as 20 mil pessoas que imaginou – com a vantagem de dar aos cofres do Audax 100 vezes mais do que deu com a medida que acabou se mostrando estapafúrdia. Cerca de 350 mil reais foi o valor que o Red Bull, outro clube sem torcida, conseguiu no jogo contra o Santos, com a polêmica decisão de “inverter” o mando de jogo e realizá-lo no Pacaembu (aliás, acabei fazendo uma análise “física” do gol polêmico do jogo em meu outro blog).
Outros clubes estão faturando mais alto em jogos contra os chamados times grandes, muitas vezes mantendo os preços altos, mas sem alarde. Foi assim que Ituano e Linense faturaram, respectivamente, 390 e 320 mil reais líquidos, vendendo os ingressos, em média, a R$ 45,64 e R$ 61,33, contra o Palmeiras.
Já o São Paulo, colocou no bolso mais de 1,7 milhão de reais, em dois jogos (contra Ponte Preta e Mirassol), cobrando de seu torcedor preços médios em torno de 25 reais.
Como sempre defendo aqui, é preciso pensar as questões de gestão de forma mais integrada e sistêmica. A compreensão, mesmo que intuitiva, de que preços mais altos podem afastar os torcedores (a menos que seu clube tenha uma arena moderna, mas mesmo assim os custos altos podem levar a rendas proporcionalmente menores, como o próprio leitor pode verificar nos boletins financeiros do Campeonato Paulista) – conceito que os economistas chamam de elasticidade de preço da demanda – e a consideração sobre as questões circunstaciais da partida e do campeonado (fase do time, condições do estádio, adversário, importância do jogo etc.) são elementos muito mais úteis para se tomar uma decisão do que a ênfase nas provocações, opção feita pelo presidente do Audax
E, nesse caso, os fatos corroboram aquele pensamento popular de que menos é mais. Às vezes um preço menor gera mais ganhos. E, quase sempre, menos falatório gera mais resultados.