O custo da ‘burrice’

Uma vez, faz alguns anos, eu tinha um compromisso em Barueri-SP e decidi ir de carro até o local. Não era muito longe de onde eu ia sair, na zona oeste da cidade de São Paulo (mais especificamente, na Cidade Universitária). Para quem conhece a região, sabe que o caminho natural para a cidade de Barueri é pegar a Rodovia Castello Branco, a SP-280, um caminho expresso (às vezes mais rápido), porém mais longo e mais caro (é necessário pagar um pedágio na ida e outro na volta).

Na época, eu não tinha smartphone e, consequentemente, não usava o Waze, aquele aplicativo que mostra os melhores caminhos para as pessoas irem (de carro) de um ponto a outro. Assim, olhei no mapa (esse sim já era o Google Maps) e notei que havia um caminho mais curto e mais rápido para ir (apesar dos semáforos), indo por dentro de Osasco e Carapicuíba. Parecia uma reta só. Memorizei o caminho e lá fui eu.

Em algum ponto, em Carapicuíba, eu deveria ter mantido a esquerda, porém, o caminho que parecia óbvio (“uma reta só”) me levou por uma curva à direita que me fez cair exatamente na Castello Branco, o caminho que eu quis evitar – só que em sentido São Paulo.

Quem já andou por lá sabe que parece que existem algumas pegadinhas, com poucos retornos e que sempre te fazem cair no pedágio. Não deu outra. Acabei tendo que pagar o pedágio para conseguir fazer o retorno para a própria Castello (agora em sentido Barueri) e paguei o outro pedágio para ir para o meu destino (a essa altura eu não ia lembrar mais como chegar no caminho que eu havia guardado na cabeça e achei mais fácil fazer o caminho óbvio, mais longo e mais caro, que tentei evitar no início). Moral da história: uma burrice só! Gastei mais tempo, andei mais e ainda paguei dois pedágios pelo simples motivo de que, por ‘burrice’, não consegui efetivar o caminho mais inteligente (mais curto, mais rápido e mais barato).

Era aí que eu queria chegar. Nesse dia, tive o insight sobre o custo da ‘burrice’. E aqui estou usando burrice em sentido amplo. Pode ser não simplesmente a falta de inteligência, mas uma desatenção, uma negligência (também conhecida como “salto alto”), ignorância sobre algum fato importante ou a pura e simples burrice mesmo. O leitor pode considerar o meu caso na categoria que desejar. Para mim, o fato não é mais importante. Mas a conclusão, o aprendizado que tirei dele, sim.

A ‘burrice’ é algo que normalmente faz as pessoas fazerem as coisas pelo caminho mais longo ou o mais demorado, por simples incapacidade de enxergar uma saída mais inteligente.

Vejam só o que aconteceu outro dia em que precisei fazer uma operação no Banco HSBC (lembrando que aqui dou o nome aos bois – cito a empresa, mas também não preciso citar a agência nem as pessoas envolvidas, claro). E infelizmente tinha que ser presencialmente, caso contrário, obviamente, eu pegaria o “atalho” da internet (mais rápido e mais barato).

O procedimento era simples, mas a operadora do caixa não estava acostumada a ele. Na hora em que cheguei, perto das 12h, e portanto na hora do almoço, apenas uma operadora (dos dois caixas disponíveis) estava em ação. A outra tinha ido almoçar (não preciso nem falar na desinteligência que representa a operadora do caixa almoçar no mesmo horário em que as pessoas costumam ir às pencas às agências bancárias, mas isso é assunto para outro post).

A fila era, por sorte, de apenas uma pessoa. Mas aí, na hora do meu atendimento, a burrice entrou em ação. E como a operadora não sabia fazer o procedimento – ou estava errando sistematicamente em alguma coisa – precisou de nada menos que seis tentativas, até que a sua colega do caixa ao lado voltasse do almoço e simplesmente lesse a mensagem de erro que estava aparecendo e confirmasse o que a primeira operadora era incapaz de fazer. Depois de meia hora de tentativas frustradas, em dois minutos tudo foi resolvido com três cliques pela outra operadora. A fila, é claro, agora era de 20 pessoas.

Note o impacto que a burrice teve nesse caso. Quanto isso custa para a agência bancária? Provavelmente, quem está gerindo está olhando apenas para o indicador objetivo do salário da operadora e pode achar que isso não é importante. Mas não. Os custos são muito maiores. Como no meu caso, caminhos mais longos, com pedágios, custam mais e tomam mais tempo. E é o que vemos o tempo todo nas empresas. No mínimo, irritar o cliente tem um custo a longo prazo. O que dizer de procedimentos inúteis e ineficientes? E, mais ainda, e o custo de manter pessoas desnecessárias ou incapazes ou não investir em treinamento para que elas possam trabalhar de maneira mais eficaz?

O professor, escritor e administrador inglês, Cyril Northcote Parkinson, que, dentre outros assuntos, escreveu sobre a Lei de Parkinson na Administração – que nada tem a ver com a doença degenerativa que faz os acometidos por ela tremerem – e que será assunto de algum post futuro, com seu bom humor característico, vai ao ponto em seu texto “Nossas despesas gerais são muito altas”.

Em vez de tentar resumir, achei melhor citar por inteiro o parágrafo em que ele aponta para esse problema nas organizações. Ele inicia sua argumentação ao expor o fato de que nas empresas, em geral, o pessoal administrativo é dimensionado para “enfrentar a carga máxima”, isto é, aqueles períodos em que, dentro de um ciclo normal de oscilações, a demanda é alta. Nos peíodos de ‘baixa’ esse pessoal permanece na organização, teoricamente, sem ter o que fazer. E o autor continua:

Superassessorada em relação ao período de inatividade, a organização típica coforma-se com o fato de que algumas pessoas ficarão sem fazer relativamente nada durante alguns dias. Mas, permite-se que elas fiquem sem fazer nada? Há supervisores que percebem que esse hábito é facilmente adquirido. O remédio é fazê-las trabalhar. Na marinha, isto significava esfregar o convés e polir os metais. No exército, isto significava limpar as baias e lustrar o material de montaria. No comércio, significa checar o inventário e fazer o balanço das contas até o último centavo. Desta forma, um verdadeiro expert pode assegurar que o período de inatividade termine com todos exaustos. Porém, com a falta de tal perícia, as pessoas ficarão sem fazer nada e os resultados podem ser imprevistos. Enquanto que as pessoas ficam contentes com o ócio durante a metade do tempo, preocupam-se quando há menos para fazer do que isso. Se não lhes for encontrado trabalho, elas começam a encontrá-lo por si mesmas. Qualquer tipo de trabalho pode ser duplicado e restringido, inventariado e reorganizado. Todo tipo de plano pode ser feito para lidar com eventualidades improváveis. Toda esta preocupação e amolação podem parecer inofensivas, mas o triste é que o “pseudotrabalho” tem um efeito desmoralizante. É mais do que um desperdício de dinheiro. É uma questão de ineficiências, quando o próximo auge de atividade for atingido. Quando há crise, os pseudo-ativos não estão sequer disponíveis. Mesmo quando redistribuídos, eles tendem a ser inúteis, sendo seu hábito fazer tudo pelo método mais lento. Este não é um costume que eles perderão da noite para o dia. O resultado é que o período de grande atividade torna-se ocasião para contratar pessoal extra. Este também se tornará ocioso mais tarde e, assim, o ciclo repete-se com cada vez mais pessoas realizando cada vez menos trabalho.

Agora sejamos sinceros: quantos de nós não vimos esse tipo de situação em nossos trabalhos? Ser (ou parecer) ocupado é até bonito. Não ter tempo, aprender a dizer não para negar outros trabalhos e por aí vai parece ser o desejável. Mas quantos de nós não estão fazendo as coisas pelo caminho mais longo e, portanto, aplicando a ‘burrice’ na veia?

Era comum, quando trabalhei na Mercedes-Benz, dada a minha habilidade com Excel, auxiliar alguns colegas criando rotinas para fazer automaticamente coisas que seriam feitas “na mão”, isto é, uma por uma, linha por linha, item por item, com consultas exaustivas em algum sistema para virar uma planilha de resumo sobre seja lá o que fosse. “Nossa! Agora consigo fazer isso com apenas um clique aqui? Em cinco minutos tenho tudo o que preciso? Eu ia levar a semana toda para fazer isso” – foi o que me disse um dos colegas uma vez. Outros, no entanto, preferiam continuar “ocupados” em suas buscas item por item – isso não mudaria o quanto receberiam no fim do mês, “para que ser eficiente?” me perguntou outro deles.

Mas alguns gestores responsáveis pela equipe se incomodavam que eu “perdesse” meu tempo ajudando os colegas em vez de fazer o “meu” trabalho (se você leu o post sobre a epidemia da falta de visão sistêmica vai entender por que as aspas). Essas pessoas eram incapazes de ver o ganho global para a empresa. Pareciam preferir o pseudotrabalho dos pseudoativos (fazendo justiça, houve quem reconhecesse e valorizasse esse tipo de trabalho também, mas não era regra).

Compactuar com a ‘burrice’ (ainda em sentido amplo), seja preferindo não capacitar as pessoas ou mesmo tendo um certo prazer em ver todos na equipe muito atarefados e exaustos com pseudotrabalho parece ser o exemplo perfeito de como aplicar a burrice (agora em sentido restrito) na gestão. Há muita gente não quer ou simplesmente não consegue enxergar o caminho mais curto e mais rápido. Mas isso tem cura. Só é hora dos responsáveis pela gestão pararem de injetar ‘burrice’ na veia e passarem a utilizar o bom senso. Afinal, a burrice – em qualquer sentido – custa caro.

 

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