Na última terça-feira, decidi jantar fora. Parecia o mais racional a fazer, já que a geladeira estava completamente desabastecida, após alguns dias sozinho em casa. Como eu precisava acordar bem cedo, pois ia viajar no dia seguinte, voltar para casa logo seria o recomendável. Escolhi um restaurante japonês não muito longe de casa. É uma boa escolha nessas horas, já que a família não é muito chegada nessa culinária. Deve ter sido a terceira vez que fui a esse restaurante – sempre à pé.
Faltavam poucos minutos para às 20h quando saí. Até então, parecia uma agradável noite de outono. A temperatura estava na casa dos 20º C e vi poucas nuvens no céu. No caminho até o restaurante, consegui até mesmo ver o planeta Júpiter pairando próximo ao zênite. Cheguei ao restaurante em cerca de 15 minutos.
Com relação ao serviço, não há muito o que comentar. Não houve surpresas positivas nem negativas, apesar de eu ter achado o shimeji um pouco doce dessa vez. Inclusive, esse foi o motivo para eu ver a moça que estava na mesa ao lado da minha pedir para o funcionário do restaurante um shimeji especial, sem açúcar (que serve para caramelizar os cogumelos, mas que colocado em exagero destrói o sabor do prato). Aproveitei e comentei com o funcionário que o shimeji estava realmente doce e brinquei perguntando se o cozinheiro estava apaixonado. Ele achou graça e perguntou se eu também queria que eles fizessem uma porção especial, sem açúcar. Declinei. Para mim, o shimeji doce foi irrelevante, pois todas as outras coisas que provei estavam boas. Só vou pensar duas vezes antes de pedir esse prato na próxima vez.
Na saída, uma supresa. Apesar da noite agradável na ida, cerca de uma hora depois, um toró desabava sobre São Paulo. Se fosse uma simples garoa, eu não me importaria de me molhar um pouco no caminho de volta. Mas era uma chuva forte, daquelas de encharcar quem se arrisca sair na rua sem um guarda-chuva. E eu não fui prevenido dessa vez. Nada de guarda-chuva.
Na porta do restaurante, o funcionário, que depois vim a saber que era o gerente – e era aquele mesmo que se prontificou a fazer um shimeji sem açúcar para mim -, estava com um daqueles guarda-chuvas enormes e se ofereceu para me levar até o carro, assim como havia feito com a cliente que acabara de sair.
“Estou à pé”, disse a ele, que me olhou apenas com cara de “que pena”. Ele perguntou se era longe. A caminhada não era longa, cerca de uns 800 metros, mas era o suficiente para me molhar bastante. Otimista, falei que ia esperar a chuva passar. Ele me falou para ficar à vontade e sentar numa das cadeiras da entrada, se quisesse. Não quis. E com o passar dos minutos, notei que aquela chuva só piorava.
Às 21h15 comecei a ficar preocupado com o horário, afinal, tinha planejado acordar às 4h. Seria bom dormir bem antes de pegar a estrada no dia seguinte. Notando a minha apreensão, o funcionário disse que tinha um guarda-chuva para me empresatar. Ele me pediu que aguardasse e foi lá dentro buscá-lo. Falou que eu poderia devolver no dia seguinte. Foi quando falei que seria difícil, pois iria viajar e só voltaria na semana seguinte. Perguntei se era um guarda-chuva do restaurante e ele disse que era dele mesmo. “Mas e como você vai fazer para ir embora com essa chuva?”, perguntei. Ele respondeu que não teria problema, pois na hora que fosse sair, à 1h, provavelmente a chuva já teria parado e que se não tivesse, ele não se importaria em se molhar um pouco ou que alguém daria uma carona para ele.
Então, eu disse que poderia deixar o guarda-chuva em algum cantinho, na hora que saísse de viagem e ele concordou. Não me sentiria bem em “embolsar” o guarda-chuva, ainda mais depois de um gesto de consideração do rapaz. E ele poderia simplesmente não se importar, afinal, o trabalho dele era dentro do restaurante e, no máximo, acompanhar as pessoas até seus carros estacionados em frente ao restaurante. Azar o meu que não pensei que poderia chover, não é mesmo? Mas não, ele se importou com a minha situação e fez o que estava ao seu alcance para resolvê-la. E resolveu. Sábia decisão, pois às 23h ainda chovia forte. Mas perto de meia-noite já tinha parado, o que diminuiu a minha consciência pesada por não ter pego o carro para devolver o guarda-chuva naquela hora (pois é, acabei não dormindo cedo, como pretendia).
Num mundo “comoditizado”, em que todos os produtos e serviços são muito parecidos, detalhes podem fazer a diferença. Muitas vezes escolhemos onde comer por conveniência ou pelo preço, para desespero de alguns comerciantes. No caso desse restaurante foi uma mistura dos dois: próximo de casa e com uma boa relação custo-benefício. No entanto, o destaque positivo não foi para a comida, que, para endossar o raciocínio, não se diferencia em nada da de outros restaurantes do tipo.
O caminho para quem presta serviços ou vende algum produto, muitas vezes, é se diferenciar ou pelo serviço prestado ou pelo relacionamento. Difícil é perceber que essa diferenciação pode vir de detalhes que estão fora do escopo dos serviços oferecidos.
Essa possibilidade pode se originar da combinação de duas características que observei no Roberto (nome do funcionário do restaurante): (1) iniciativa e (2) preocupação. Esses dois aspectos podem funcionar como antídotos para a ineficiência. É claro que iniciativa sem preocupação pode levar a ações na direção errada e desperdício de energia (ou seja, mais ineficiência); e preocupação sem iniativa leva a um inconformismo um pouco tóxico (tudo aborrece, mas nada é feito). Embora não sejam condições suficientes, parecem ser condições necessárias para um trabalho mais eficiente, combatendo três dos problemas que geram a ineficiência: a tolerância ao baixo desempenho, a falta de confiança e a falta de compromisso. Para isso, é importante dar as condições para que as pessoas que possuem essas características possam utilizá-las a favor (e em conjunto) para resolver os problemas das organizações.
Eu já tinha visto isso na Islândia e ver aqui, mesmo que isoladamente e apesar do campo de ação ser muito mais limitado para um típico gerente de restaurante no Brasil, dá alguma esperança. Ele fez o que estava a seu alcance, não com a intenção de “encantar” o cliente, como diz a “cartilha”, mas dentro das suas possibilidaes e da sua solidariedade com meu “problema”. Se ele tiver espaço para usar sua iniciativa nas questões de gestão do restaurante, aí sim eles poderão começar a se diferenciar. Nesse caso, podem vir a ser minha opção não só quando eu quiser uma opção próxima de casa e/ou de preço acessível. Vou continuar observando.
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