Esportes

O esporte como metáfora para a liderança: aprendizados dos anos de ouro do vôlei brasileiro, por Bernardinho

Novamente, tive a oportunidade de acompanhar uma grande figura trazer seus aprendizados sobre liderança, em mais um evento promovido pela FIA, no âmbito do projeto FIA Online, do qual tenho a honra de fazer parte, na coordenação pedagógica (ou seria andragógica) do MBA de Gestão de Negócios Inovação e Empreendedorismo. Dessa vez, a presença ilustre foi de Bernardo Rocha de Rezende, o Bernardinho, que se notabilizou por treinar as seleções feminina e masculina de vôlei do Brasil, obtendo resultados expressivos e levando o país a um patamar superior nesse esporte.

“Liderança é um processo. Liderança não é um cargo que você ganha. Não tem a ver com autoridade. Tem a ver com a disposição das pessoas em seguirem você. A partir do momento que você as inspira, que você as provoque, que você as mobiliza… aí você se torna realmente um líder”.

Bernardinho, ex-técnico das seleções de vôlei do Brasil e atual treinador do time masculino da França.

A ex-treinador das seleções brasileiras de vôlei iniciou sua fala refletindo sobre o que motiva as pessoas e por que isso é importante para um líder. As pessoas fazem as coisas por paixão ou por necessidade, que seriam os dois pilares da motivação, segundo ele: “fazemos porque precisamos ou porque amamos, ou uma combinação das duas coisas”. Ele ainda lembrou que times são formados de duas formas: (1) por alinhamento de valores ou (2) por haver um inimigo em comum.

A missão de um líder é desenvolver pessoas. Trabalhar pessoas, capacitar pessoas, criar condições para que elas tenham o melhor desempenho possível – desempenho técnico, físico e emocional.

Bernardinho, no evento realizado em 08 de junho de 2021.
Aula ao vivo de Bernardinho para o FIA Online, em junho de 2021.

O esporte, nesse caso o vôlei, é sempre uma ótima fonte de inspiração para nossas vidas no mundo das organizações. Afinal, ali na quadra, no campo, no tatame ou onde for, além de ter resultados claros para se avaliar o sucesso de um desempenho, constitui um processo bastante visível, dinâmico e bem documentado pela mídia, com durações (campeonatos) bem definidas, quase como um laboratório de gestão e liderança a céu aberto. Tento aqui, então, resumir 10 conselhos que trazidos por Bernardinho para todos aqueles que pretendem viver ou que estão vivendo esse processo de se tornar líder:

  1. Integridade. Desenvolver um senso de justiça é crucial para estabelecer um ambiente de confiança. “Se você não confiar no comportamento da pessoa, ela não será um(a) líder para você”.
  2. Cultura de time. O time vem na frente. Nesse ponto, ele deu o exemplo da premiação individual de 100 mil dólares que seria dado ao melhor jogador do torneio que disputaria com seu time. A proposta feita, pensando que o time precisa vir primeiro, foi de caso algum jogador do time fosse premiado, 50% seriam dados para o jogador e 50% para os outros 11 jogadores, que viabilizaram e que deram as condições para que aquele jogador fosse o premiado.
  3. Treinamento extremo. “O outro time (a outra empresa) pode ter mais talentos e mais orçamento do que nós, mas não pode trabalhar ou se dedicar mais do que nós”. É preciso se dedicar mais ao processo de treinamento do que todos os outros. Segundo a fala do ex-treinador da seleção de vôlei brasileira, única coisa que controlamos é a energia que colocamos no processo. Além disso, líderes estimulam o inconformismo, que é uma busca permanente por melhorar. “Modo aprendizagem sempre ligado: learning mode on!”.
  4. Humildade. Aqui, o atual técnico da seleção francesa, trouxe a metáfora da janela versus o espelho. Nesse sentido, a sugestão é de atribuir aos outros o sucesso (olha pela janela) e olhar no espelho quando há uma derrota, ou seja, o líder deve assumir a responsabilidade. Humildade faz manter a mentalidade de crescimento. “Todos nós precisamos continuar aprendendo. Chegar à faixa preta, mantendo o espírito de faixa branca. É preciso ter humildade para saber ouvir as pessoas”.
  5. Disciplina. “Nem todos os dias vamos acordar motivados para fazer aquilo que nós devemos fazer ou que nos propusemos a fazer. O que nos faz fazer o que precisamos é a disciplina”.  Disciplina, segundo ele, é saber dizer ‘não’ para pequenos prazeres e metas de curtíssimo prazo para dizer ‘sim’ para um propósito maior. Disciplina tem então a ver com construção.
  6. Resiliência. É saber lidar com os ‘nãos’. É preciso aprender com as várias derrotas que vão acontecer no caminho antes de ter a grande vitória. Vencedor (medalha de ouro) não é o melhor necessariamente, mas, certamente, o mais resiliente.
  7. O topo pode não ser o topo, mas ser apenas o primeiro topo. A reflexão trazida por Bernardinho é de que não existe crescimento acompanhado de conforto. O crescimento pressupõe algum nível de desconforto. Nesse ponto, ele citou a frase de Simon Sinek, em que diz que “Nosso maior teste é: o que fazer com o sucesso, uma vez que o conquistamos”. Chegamos lá e agora? Como continuamos inovando?
  8. Responsabilidade. “O resultado passado não te garante nada do futuro”. A única coisa que um grande resultado do passado traz são expectativas e responsabilidades mais altas. Depois de bater seis meses consecutivos de metas, no sétimo mês a única diferença é que a pessoa vai ter uma expectativa mais alta sobre si mesma e vai iniciar aquele mês como se estivesse 0 x 0 o jogo.
  9. “Quase é igual a NÃO”. Por mais duro que seja não chegar “lá”, isto é, lograr êxito em seu objetivo, aprender durante todo o processo é crucial. “Só não perde quem não joga, só não erra quem não tenta fazer”. Ainda mais importante é cometer erros novos e não os mesmos erros de antes. Assim, é possível continuar aprendendo ao longo de todo o processo, mesmo que não se chegue à medalha de ouro (como aconteceu com a seleção masculina de vôlei, treinada por Bernardinho, nas Olimpíadas de 2008 e 2012). “O que o líder deve dizer em uma hora dessas?” Não necessariamente se saberá o que dizer, mas é importante mostrar ao time que se está junto com a equipe, pela equipe e para a equipe.
  10. Capacidade de Comunicação, lembrando que comunicar tem duas vias. É preciso ter clareza ao compartilhar sua mensagem e sua visão, na hora de inspirar as pessoas, mas também – e principalmente – ter disposição para escutar, dar atenção e cuidar das pessoas. Entender e sentir as pessoas é fundamental. Outro ponto ligado a esse que chamou a atenção foi quando Bernardinho percebeu, provocado por seu filho, Bruninho, então capitão da seleção, de que a forma como ele se comunicava e lidava com os jogadores da geração de quando entrou na função de técnico não poderia ser a mesma 16 anos depois. Muito importante destacar a autocrítica de Bernardinho e a capacidade de se transformar no papel de líder. A liderança, afinal, como ele mesmo disse, é um processo.

O curioso é que qualquer semelhança com as lições do ex-presidente FHC que escrevi em outro post não é mera coincidência. O duro é ver o quanto pessoas ainda acham que assumir uma função de gestão as faz automaticamente líderes e organizações que ainda olham para as medalhas ou prêmios individuais conquistados como critério para promover alguém a gestor. Felizmente, há uma grande consciência crescente entre recrutadores e responsáveis pelos processos sucessórios nas empresas que já percebe que as características para liderar de forma efetiva estão muito além das metas atingidas. Um bom ponto de partida é essa lista acima. As metas e medalhas (do time!) serão consequência.

Imagem ilustrativa: Embed from Getty Images

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Ladeira abaixo

Eu me lembro de um professor de História que tive no colégio que usava uma versão um pouco mais suave de uma frase célebre que se usa muito ao se falar de política no Brasil. Colocando sua mão esquerda com a palma para cima, como se estivesse segurando um objeto imaginário, ele falava: “A base é a mesma! Só mudam as moscas…”, enquanto, com a mão direita, representava as mosquinhas voando sobre a ‘base’, palavra em que ele colocava muita ênfase ao falar.

Não tive como não me lembrar do professor Sérgio depois de ver o jogo da seleção brasileira de futebol ontem à noite. Mesmo que tenha sido um gol irregular a selar a derrota para o fraco Peru, não dá para apagar o papelão (mais um) de um país que até outro dia era uma das referências no futebol. Onde quer que a seleção jogasse, haveria muita expectativa de bons jogos.

Ironicamente, no jogo seguinte a um 7×1 (contra um fraquíssimo Haiti), mais um vexame. O Brasil ficou fora da primeira fase da Copa América Centenário em um grupo em que se classificaram Peru e Equador. Isso só tinha acontecido em 1987. Semelhante a essa época, era um fundo do poço do nosso futebol, antes do ressurgimento, em 1994. Diferente dessa época é que agora parece ser muito mais difícil enxergar uma luz no fim do túnel.

Mal acabou o jogo e as mesas redondas estavam alvoroçadas discutindo quem deveria ser o próximo técnico da seleção, no lugar do questionado Dunga.

Resumir os problemas de uma decadência notória ao técnico do time – e é bem verdade que há cada vez menos gente fazendo isso – é análogo a achar que melhorar a gestão de uma equipe ou de uma empresa se resolve trocando o gestor.

Às vezes resolve, é verdade. Mas é preciso uma análise atenta para identificar se o gestor é a causa do problema (ou um dos principais fatores) ou se vai ser só mais uma mosquinha trocada sobre a ‘base’, como dizia meu professor.

Como sempre defendo, é preciso olhar para as questões de gestão do ponto de vista sistêmico. E no futebol não é diferente. Como já discuti no caso do Leicester, campeão inglês, o técnico é um dos participantes da gestão de um projeto de um time vencedor. Mas existem também inúmeros fatores inter-relacionados. O desafio é separar os fatores mais relevantes em cada situação. Além de sistêmica, a boa gestão é contingencial.

 

O Futebol é um mero estrato da sociedade

O livro de Maurício Murad, Para entender a violência no futebol, apresenta a ideia de que o futebol não é uma entidade à parte, em que o que ali acontece nada tem a ver com o restante da sociedade. Diz o autor “o futebol acaba expressando a violência geral da sociedade. Então, aumentando a violência geral na sociedade, ela tende a aumentar também no futebol“.

Com a gestão é a mesma coisa. Se a gestão do futebol vai mal é por que no restante da nossa sociedade ela também está descendo a ladeira.

Exemplos? Não faltam… O país vem há um bom tempo figurando em posições medíocres ou na parte de baixo de diferentes classificações nas mais diversas áreas, em comparação com outros países. Isso sem falar nos péssimos serviços que as empresas nos prestam, que já foi assunto de outro post.

Em educação já é sabido que vamos mal. O Brasil é o 60º colocado em um ranking de 76 países quando se foca o benefício econômico da educação. E é o penúltimo em um ranking de 36 países que relaciona os resultados do PISA, anos de estudo e percentual da população com nível superior.

Aparecemos em último lugar no ranking sobre eficência em saúde. E ainda somos apenas o 75º colocado no Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH.

Aquela tida como nossa melhor universidade, vem despencando ano após ano nos rankings mundiais. A produção científica brasileira, embora cresça em quantidade, continua com um impacto medíocre. Os investimentos são muito baixos e quando ocorrem são ineficientes.

Esse é um desempenho incompatível com riqueza e o tamanho do país. Estamos (ainda) entre as 10 maiores economias do mundo.

O esporte é, portanto, apenas uma representação do problema em dimensão menor. Não temos mais campeões na Fórmula 1. Não temos desempenhos consistentes na maioria das modalidades. Quando muito, aparecem alguns talentos isolados, como o Guga Kuerten no tênis, o Artur Zanetti nas argolas, Gustavo Borges na natação, ou o Gabriel Medina no surfe.

Parece que não sabemos como aproveitar a onda positiva que esses talentos trazem. E suas histórias viram apenas exemplos de como eles superaram as condições adversas com muito empenho e talento nato. E ficamos esperando esse talento aparecer nas mais diversas áreas, dentro e fora do esporte.

E em cada segmento os especialistas enumeram os problemas e fazem suas análises de forma isolada. Os sintomas estão em todos os lugares, para quem quiser ver.

 

Má gestão: um problema sistêmico

Costumo sempre insistir na ideia de que a boa gestão é sistêmica. A falta de pensamento sistêmico parece estar na base desse problema que gera uma insatisfação generalizada, principalmente quando a seleção brasileira dá vexame.

Os comentaristas esportivos bradam por mudanças no futebol. Sabem que muito precisa ser mudado. Citam o exemplo da Alemanha, que trabalhou 12 anos para conquistar a Copa do Mundo aqui na nossa casa, após nos humilhar com o tão falado 7×1. Mas depois reduzem sua discussão ao nome do próximo técnico: Tite, Cuca, Guardiola…

Vale a pena ver uma reportagem que conta como a Alemanha trabalhou de maneira sistêmica para reformular o futebol:

A diferença é que, nesse exemplo, pode-se ver como a Alemanha mexeu na base (em todos os sentidos) e não trocou apenas as moscas. Isso é bem mais difícil de fazer e envolve atacar as causas e não os sintomas. Pressupõe, talvez, uma certa dose de dor. É mexer com as crenças e valores, com aquilo que está enraizado e instituído.

E a base da gestão? Realmente acreditamos que gestores se formam em cursos de administração? Grande parte dos gestores nas organizações não é formada em administração – o que, no meu entender, está longe de ser um problema. Para entender isso, é preciso olhar para os tipos de curso de administração que existem.

A maior parte deles está voltada à mera formação de mão-de-obra. Embora tenham diploma de administradores, os formados dificilmente vão desempenhar uma função de gestão, tendo sua atuação limitada a trabalhos administrativos dentro das organizações.

Do outro lado estariam os cursos “de ponta”, que, teoricamente, deveriam formar as pessoas que seriam capazes de trasformar a gestão das organizações e, em algum grau, a sociedade.

No entanto, não parecem ser esses cursos formadores dessas pessoas. Quando elas aparecem, a impressão é de que já vieram assim e não se deixaram “estragar” pela faculdade – são os Gugas e os Medinas do mundo corporativo. Os demais parecem estar mais preocupados em alcançar altos cargos, em busca de dinheiro, status e poder, aspectos valorizados pela chamada Nova Classe Média, descrita pelo sociólogo Wright Mills, em seu livro de 1951.

Estamos diante, talvez, de uma geração de gestores que frequentou universidades e bons cursos, mas que estudou muito pouco. Por esse motivo há quem diga que no Brasil temos muitos alunos, mas pouquíssimos estudantes.

Assim, para melhorar a gestão, precisamos fazer como a Alemanha, que investiu na base e na formação de treinadores. Assim, a base – de verdade e como o nome sugere – é a educação básica. Precisamos de mais estudantes e menos alunos. E os treinadores são os professores.

Para isso, é necessário superar nossa tendência de querer igualar as condições apenas na chegada, a ideia de Meritocracia à Brasileira, discutida pela antropóloga Lívia Barbosa e que citei no post em que exploro algumas das razões da nossa ineficiência. Colocar todo mundo na faculdade não resolve. Tampouco formar mais doutores.

O processo se inicia muito antes: com as crianças. Não à toa, as sociedades ditas mais desenvolvidas e invejadas por nós, os escandinavos, entenderam o papel de cuidar bem das crianças no comecinho de suas vidas. Esse é um aspecto crucial para formar cidadãos melhores. Por isso há licença maternidade de dois anos (somando-se a da mãe e do pai). Por isso a educação básica recebe tantos investimentos. O sistema é diferente.

 

 

 

Mudar a base, ou seja, o sistema

Para fazer mudanças substanciais é preciso compreender o sistema em que estamos inseridos e fazer as perguntas certas. Aproveito para resumir as características de sistemas, conforme destaca o professor do MIT, John Sterman, em seu livro Business Dynamics, na adaptação do livro Desvendando Sistemas, do meu amigo João Arantes:

  • São dinâmicos: ou seja, mudam de estado com o tempo.
  • São altamente acoplados: As partes estão conectadas entre si e interagem fortemente.
  • São governados por retroalimentação: as ações tomadas por um agente tem repercussões que podem influenciar aquele que as tomou.
  • Não linearidade pode estar presente: o efeito pode ser desproporcional à causa.
  • O estado atual de um sistema depende dos estados anteriores: as ações tomadas no passado podem influenciar o estado atual do sistema.
  • A estrutura interna do sistema determina o seu comportamento: a forma como os diversos subsistemas estão ligados determina como o sistema se comportará.
  • O comportamento de sistemas pode ser contra-intuitivo: O resultado de uma ação realizada pode trazer resultados opostos aos esperados.
  • A complexidade dos sistemas pode superar a nossa capacidade de entendê-los: temos dificuldade de entender as relações entre causa e efeito, ainda mais quando há distância temporal entre uma coisa e outra.
  • As respostas de curto prazo de um sistema a uma intervenção podem diferir substancialmente das respostas de longo prazo: ações de curto prazo podem trazer benefícios iniciais e malefícios de longo prazo, e vice-versa.

 

A gestão competente é aquela que é capaz de mexer no sistema. Só que para mexer no sistema é preciso entendê-lo e, antes disso, ter um mínimo de pensamento sistêmico, que só vem com um intenso trabalho desde a base. Caso contrário, continuaremos trocando só as moscas – e ladeira abaixo.

 

 

 

 

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