Gestor

Como estou dirigindo?

Semana passada peguei a famigerada rodovia Regis Bittencourt para voltar da região sul para São Paulo. É um caminho que costumo pegar algumas vezes ao ano, desde 2004. Então já vi muito progresso nessa estrada, a BR116 entre São Paulo e Curitiba, que já foi chamada de “rodovia da morte”. Hoje ela está quase toda duplicada e tem sua administração feita por uma concessionária. Melhorou muito nesses anos, o que já a permitiria ser classificada como uma estrada apenas ruim.

Não vou focar na administração da rodovia em si, mas em outro exercício que é interessante de fazer quando dirigimos. Aliás, dirigir é uma palavra que se origina do latim, que significa “alinhar, tornar reto, guiar”. A palavra é formada pelo prefixo di (para fora, de divergência) e o verbo regere, que é o de “guiar, governar”, o mesmo que vem de rei e reinar (reger).

Por isso, também, não apenas se digire um carro, como também uma organização. Daí vêm diretor, diretriz, direção…

Pegar a estrada, para quem é observador, pode sempre trazer várias sacadas sobre o comportamento humano. Os anglófonos poderiam dizer que é insightful. O trânsito em geral é assim. Tenho um amigo que sempre me diz que a forma de dirigir revela muito sobre o caráter da pessoa.

E na estrada não é diferente. Mas quais analogias seriam possíveis entre a forma de digirir um veículo e a de dirigir uma organização?

Enquanto dirigia pela rodovia, fui observando o comportamento dos motoristas e pensando neste post. Não é difícil ter ideias, ainda mais quando se está acostumado a fazer viagens longas, passando por diversos tipos de estradas: retas, curvas, serras, simples, duplicadas e complicadas. Sem falar que é perceptível o impacto da gestão sobre as condições gerais da rodovia (e quem já dirigiu na BR116 e em rodovias do estado de São Paulo como a Castello Branco, Bandeirantes e Ayrton Senna sabe do que estou falando – mas esse é assunto para outra oportunidade).

Fiz, então, uma pequena lista, que está longe de ter a pretensão de ser exaustiva, mas que pode ser cheia de sacadas (ou insightful) para quem gosta de pensar sobre a gestão. São comportamentos dos maus condutores que têm analogia com o comportamento dos maus gestores. Então vamos a ela:

O mau motorista (e o mau gestor):

  • Não usa seta: O mau motorista não se importa com os outros, então não se preocupa em sinalizar o que vai fazer.
    Analogamente, o mau gestor não informa os outros e sua equipe sobre o que se passa em sua cabeça e apenas distribui ordens que soam sem sentido para todos que estão em volta. É extremamente auto-centrado.
  • Não usa os retrovisores e ignora as indicações do painel: da mesma forma, o mau motorista parece estar nem aí para os outros e tende a ignorar informações valiosas que estão ali disponíveis, para que ele possa conduzir melhor no trânsito e entender o que está acontecendo com seu veículo.
    O mau gestor é assim também. Não quer ter o trabalho de usar indicadores sobre o que acontece à sua volta e na organização. Acha perda de tempo entender o que aconteceu no passado e só se preocupa em olhar para frente (às vezes com discursos bem trabalhados sob o pretexto do pragmatismo). O nível de aprendizado com as experiências é muito baixo.
  • Não se coloca no lugar do outro: quanto toma uma “fechada” de um caminhão que quer ultrapassar outro veículo mais lento, apenas xinga e reclama de seus segundos perdidos, pois é incapaz de perceber que se o caminhoneiro não ultrapassar naquele ponto, vai perder muitos minutos, enquanto o motorista no seu carro pode recuperar os segundos de atraso rapidamente.
    O mau gestor não pratica empatia, não percebe nem respeita as diferenças e limitações individuais. Acredita que todos podem fazer aquilo que ele quer (em geral do jeito dele – que ele enxerga como único jeito certo de fazer as coisas).
  • É o “dono da esquerda”: ele desconhece a regra básica de que a faixa esquerda deve ser sempre deixada livre, para ultrapassagens. Acredita que, desde que esteja na velocidade da via, não deve dar passagem a ninguém, forçando manobras arriscadas, que causam muitos acidentes.
    Da mesma forma, o mau gestor olha apenas para as prioridades dele e da área dele. Ele ignora a empresa como um todo e vive, mesmo sem ter a intenção, fomentando guerras internas entre os departamentos: “esse problema não é nosso, é da logística”. Ele não gosta de “dar passagem” e fica “bloqueando” qualquer um que pense mais rápido do que ele.
  • Tem conhecimento limitado da sinalização (principalmente da horizontal): o mau motorista acha que digirir é apenas tocar o carro em frente. Ele não respeita a sinalização, por ma fé, ou por ignorância mesmo. Não sabe que a faixa contínua não pode ser cruzada nas curvas da serra, não diminui a velocidade em áreas urbanas (mas xinga quando colocam lombadas para conter a velocidade).
    O mau gestor também é assim. Estuda pouco e acha que sabe tudo. Ele tende a ignorar os sinais que a organização, o mercado e as pessoas dão sobre suas atitudes, por má fé ou por ignorância mesmo.
  • Dirige com velocidade inconstante: sua condução depende do humor do momento. Em vez de estabelecer um ritmo para a viagem, em determinados momentos está correndo como um louco e em outros está devagar, atrapalhando quem vem atrás.
    O mau gestor é intempestivo e cria na equipe uma sensação de “será que ele(a) tá de bom humor hoje?”. Ele dita ritmos contraditórios. Pede uma tarefa e em seguida pede uma segunda coisa mais prioritária. Mais tarde, ele cobra a primeira tarefa, como se não tivesse dito que a segunda era a prioridade do dia. Muitas vezes, quando é necessária sua decisão, ele vai devagar quase parando, atrapalhando outras áreas da organização que dependem de agilidade.
  • Reclama da mudança nas regras e da fiscalização: o mau condutor acha um problema ter que acender o farol baixo mesmo de dia. Só pensa em si e ignora o fato de a regra primar por aumentar a sua visibilidade para os outros, reduzindo riscos de acidentes. Quando toma uma multa, ele coloca a culpa no governo (federal, estadual ou municipal, dependendo da rodovia ou via em que trafega) e não no seu comportamento inadequado.
    Para o mau gestor, as regras e controle servem apenas para atrapalhá-lo. Ele atribui culpa sempre a um fator externo (o que indica sua baixa compreensão sobre o sistema em que está inserido) e nunca ao impacto de suas ações (às vezes no longo prazo).
  • Ultrapassa em local proibido: essa é autoexplicativa.
    O mau gestor também é individualista, às vezes imprudente, só porque “está com pressa”. Acaba colocando a organização e os outros em risco porque pensa apenas nos seus objetivos.
  • Usa o celular enquanto dirige: o mau motorista não pode abrir mão da sua “conectividade”, mesmo que isso signifique colocar a si e aos outros em situações de risco (já se sabe que mandar mensagens de texto no volante é tão ou mais nocivo do que dirigir bebado).
    O mau gestor também é desatento e às vezes faz exatamente o mesmo que o mau motorista, fica com o celular no colo respondendo mensagens durante as reuniões ou em conversas com a equipe. Isso mostra, novamente, uma baixa preocupação com os outros.

 

Daria para continuar essa lista com inúmeros exemplos, mas já dá para ilustrar o ponto. Se você tem outros, deixe aí nos comentários.

Resumidamente, a má gestão, tal qual a má condução, se fundamenta, aparentemente, em três fatores: (1) Individualismo e baixa consideração com os outros; (2) Baixo preparo e problemas de formação e (3) falta de compromisso.

Se formos olhar atentamente, o primeiro fator nada mais é do que reflexo da (falta de) educação de base (aquela que vem de casa e dos primeiros anos na escola). O segundo se fundamenta na formação específica (faculdade) e o preparo ao longo da trajetória de gestão, que deve não só considerar se a pessoa tem o perfil para gerir uma equipe, como também  se ela tem a maturidade para liderar outras pessoas.

A falta de compromisso, o terceiro fator, é um problema sério. Não que o mau gestor não esteja nem aí com nada, mas, muitas vezes, não faz um pacto real para que a gestão seja boa e, consequentemente, a organização e as pessoas que ali estão progridam (e, no fim das contas, a sociedade melhore).

Esse são aspectos que já abordei em outras oportunidades, tanto nos casos de sucesso da Islândia e da Alemanha no futebol, como também nas razões para explicar a ineficiência generalizada em nosso país.

Muitas vezes, as organizações tentam desenvolver seus gestores com programas educacionais mirabolantes (às vezes muito caros e puramente focados na sala de aula) e esquecem que deveriam estar atentas a outros aspectos, principalmente relacionados a entrada de novas pessoas na organização e, ainda mais importante, nos critérios utilizados para a promoção ao nível de gestor.

Aprender a gerir é como aprender a dirigir, só dá para saber na prática se a pessoa apredeu. Não há prova ou sala de aula capaz de responder à velha questão que vem escrita atrás de muitos veículos: “como estou dirigindo?”. É só o dia a dia na gestão (e no volante) que vai responder. Mas os indícios de uma má gestão são evidentes, como é óbvio quando motorista da frente não sabe o que está fazendo ou está fazendo mal o que deveria saber fazer.

Porém, o começo da boa gestão é o que já venho falando há tempos: educação de base, formação de gestores (e de quem os prepara) e compromisso de todos. Não tem segredo. mas é preciso começar em algum momento.

 

 

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