Quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021, vimos mais um capítulo da história ser escrito, transmitido em tempo real. Quer dizer, quase tempo real, com uma defasagem de 11 minutos para as informações chegarem do planeta Marte até nós, aqui na Terra. A sonda Perseverance fez um pouso perfeito em Marte. E o que você, gestor ou gestora dos mais diversos tipos de negócios ou organizações, pode aprender com isso?
Fazia muito tempo que eu não escrevia por aqui, reflexo de um período afastado para terminar o doutorado e iniciar alguns projetos e, com isso, acabei deixando o A Tal da Gestão de lado. Porém, tive o estímulo que faltava para voltar a falar sobre temas que provoquem reflexões para uma gestão mais efetiva. O feito histórico da última quinta-feira não ganhou o devido destaque nos jornais, talvez até mesmo por muitas pessoas não se darem conta da complexidade e da façanha que é pousar um robô em outro planeta, depois de viajar quase 500 milhões de quilômetros, ao longo de quase 7 meses – e mais, com 90% de seu time trabalhando trabalhando em home office!
Assim como boa parte do mundo, a equipe do Mars rover está se esforçando em direção ao trabalho crítico da missão enquanto coloca a saúde e a segurança de seus colegas e comunidade em primeiro lugar.
How NASA’s Perseverance Mars Team Adjusted to Work in the Time of Coronavirus
Nem preciso entrar nos detalhes do que essa missão pode trazer de ganhos para a nossa espécie, pois há muita gente no meio científico repercutindo essa questão (veja por exemplo a série de lives nos canais do Planetário Ibirapuera e do Mensageiro Sideral). Sobre os custos, pouco a falar também. A missão Mars 2020 – Perseverance custou 2,7 bilhões de dólares, algo em torno de 15 bilhões de reais (hoje). Para efeitos de comparação, a Copa do Mundo de 2014 custou 25 bilhões de reais à época (cerca de 35 bilhões de reais em valores de hoje). O crucial para conseguir esse feito não está na gestão dos custos, nas planilhas, mas no que acontece por trás delas, realizado pelas pessoas.
Vale a pena ver um trecho da entrevista coletiva da NASA logo após o pouso, em especial a parte do Dr. Thomas Zurbuchen, que inclui a revisita ao emocionante instante do pouso, do minuto 36:44 ao 43:18.
Ele rasgou o plano de contingência, mas é graças à existência desse plano que a missão pôde ser bem sucedida. Discuto isso logo a seguir. É preciso ressaltar que aquele momento foi a primeira vez em meses que a equipe esteve na mesma sala. E, claro, destacar a seguinte frase dita por ele:
As três coisas mais importantes que criam sucesso no jogo – e isso também é válido para a NASA … e aqui vão as três, em ordem de prioridade: a equipe, a equipe e a equipe!
Thomas Zurbucher, Associate Administrator NASA
As pessoas é que fazem a diferença. É clichê e todo mundo fala. Mas a prática SEMPRE é diferente. O que mais, olhando de fora e sem aprofundar muito, poderíamos aprender com uma missão como essa? Sem querer esgotar as possibilidades, elenquei 7 pontos de atenção para quem sofre no dia a dia com ‘missões’ não tão ambiciosas quanto pousar em outro planeta para estudá-lo, mas que causam muito mais ansiedade.
1. Objetivo muito claro e pactuado. Todas as pessoas envolvidas têm clareza do que vai acontecer, o que se está buscando, qual o objetivo da missão. Lembrando que o objetivo não é chegar loucamente em Marte (já pousamos no planeta outras 8 vezes), mas realizar estudos específicos para perguntas bem definidas, por exemplo, será que houve algum tipo de vida em passado remoto naquele planeta?
2. Responsabilidades claras e confiança. As pessoas conseguem saber qual a sua contribuição e a importância dela. Quem pôde ver a transmissão do pouso da Perseverance notou que depois de realizado o pouso, outra equipe assumiu os postos na sala de controle. Era hora de começar a coletar as imagens, de processar as informações. Era hora de passar o bastão. E as pessoas da equipe confiam umas nas outras. Uma boa gestão deixa claro quem vai fazer o que e quando, o que se espera das pessoas e por que cada atuação é importante; e, principalmente, estabelece um clima de confiança entre todos.
3. Prioridades bem estabelecidas. Em um cenário de escassez de recursos (mesmo com alguns bilhões, não dá para fazer tudo) é sempre necessário fazer escolhas. Todas as pessoas envolvidas nesse incrível trabalho são informadas sobre o que é prioritário e o que vem depois. É também por isso que as missões têm prazo de validade. Chega um momento em que é muito custoso manter um time e recursos alocados indefinidamente para algo que já trouxe os resultados pretendidos.
4. Compromisso com o triângulo prazo-escopo-custo. Em missões espaciais como a Perseverance, o lançamento só é possível quando os planetas estão próximos o suficiente (a famosa janela de lançamento de poucos dias). Tudo precisa estar encadeado a partir da data de lançamento (30 de julho de 2020 para a Perseverance). E não estou dizendo que é uma boa ideia definir datas de lançamento (de produtos ou sites por exemplo) e vincular tudo a isso, pelo contrário. O compromisso com a qualidade e com a viabilidade da entrega (escopo) deve ser um princípio anterior ao pacto com a data. Por isso, missões espaciais são abortadas, não é mesmo? É o caso da ExoMars, cujo lançamento foi postergado em dois anos. Obviamente, o orçamento é uma parte importante nesse equilíbrio, como sempre preconiza a boa gestão de projetos.
5. Planejamento e riscos. Tenta-se pensar em absolutamente TUDO. Uma missão como essa é cara e muita coisa pode dar errado. Por esse motivo, o gerenciamento de riscos assume um papel primordial. Há backups e sistemas redundantes. O Plano B tem que ser muito bem estruturado. A máxima que aprendi quando organizava viagens de observação do céu, em cursos de astronomia, é “quanto melhor o plano B, menos você precisa dele” – e isso é muito bem simbolizado quando o Dr. Zurbuchen rasga o plano de contingência [minuto 37 do vídeo]. Parece bobo, mas é muito claro, pois quando você faz um plano B decentemente, você pensa em muitas coisas que podem dar errado e, dessa forma, prepara medidas de contingência e de mitigação para cada risco identificado. É o que coloca sondas em Marte e é o que deveria orientar nosso trabalho na Terra: dispor mais tempo para pensar e sair menos correndo para ‘apagar incêndios’. Dizem que se você tiver 20 minutos para cortar uma árvore, você deve gastar 15 minutos afiando o machado, o exemplo continua bom, mesmo se pensarmos que derrubar uma árvore é uma péssima ideia para os tempos atuais.
6. Comunicação. Nenhuma missão chega a Marte ou sai do solo terrestre apenas por que um chefe quer. A informação, desde a concepção e até o pouso, como vimos, precisar circular – e circular com eficiência. Todos os itens acima dependem de comunicação clara e precisa. Os 7 minutos de terror não têm esse nome por acaso, pois é o único momento da missão em que se está no “escuro”, sem informação. A missão Apollo 13 embora objetivamente possa ter sido considerada um fracasso, foi muito bem sucedida em trazer de volta todos os astronautas vivos para a Terra. Isso só foi possível porque havia gente trabalhando na Terra e se comunicando eficientemente com os tripulantes da capsula que não conseguiu cumprir o objetivo de pousar na Lua. Em momentos de crise, a comunicação é ainda mais necessária. Malcom Gladwell conta muito bem em seu livro Outlier e em uma palestra como a cultura pode afetar a comunicação e levar a quedas de aviões – e o que se precisa fazer para não mitigarmos as mensagens que precisam ser ditas.
7. Pessoas, pessoas e pessoas. Todo aparato tecnológico é fantástico. Mas ele não voa sozinho. Alguém precisa construí-lo, alguém precisa programá-lo ou escolher o algoritmo que vai guiar seu pouso. O filme Estrelas Além do Tempo ilustra muito bem essa questão, pois a despeito da tecnologia da época, as protagonistas da história é que calculavam as trajetórias dos módulos lunares. A tecnologia, as ferramentas não fazem nada sozinhas. Antes de usar o computador, Alan Turing precisou construí-lo a partir de uma ideia. Apesar de eu ter elencado como último item da lista, sem dúvida, é o fator mais importante. Nada justifica não investir tempo para as pessoas e não dispor recursos para que elas se desenvolvam. Nenhuma questão deve ser mais prioritária do que aquelas que se relacionem a integridade e o bem-estar das pessoas, afinal, sem seu engajamento, nada acontece.
Curiosamente (e propositalmente), esses pontos elencados são praticamente releituras dos 14 princípios definidos por Henri Fayol, escritos há mais de 100 anos, em sua obra Administração Industrial e Geral. Com as adaptações necessárias, as ideias centrais desses princípios funcionam tanto quanto as Leis de Newton para as viagens interplanetárias. Os gestores que querem alçar grandes voos (e realizar pousos memoráveis) precisam usar seu tempo com sabedoria. Dedicá-lo a estudar, a pensar e, principalmente, à equipe, à equipe e à equipe.
