Gestão de Pessoas

A voz da experiência: Lições de um ex-Presidente da República sobre liderança

Nessa última quarta, 12/05, tive o privilégio de assistir a uma aula ao vivo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em um evento promovido pela FIA, para os alunos dos cursos do FIA Online e seus convidados.

“Liderar não é impor. É ter a capacidade de suscitar no outro a adesão à sua opinião”

Fernando Henrique Cardoso, ex-Presidente da República.

Depois de falar um pouco sobre educação e sobre gestão, o ex-presidente trouxe uma série de reflexões sobre liderança. Com quase 90 anos de idade, a aula foi um show de experiência e repleta de insights para quem quer gerir ou liderar equipes – e para qualquer pessoa, na verdade. Tentei resumir aqui 10 lições agregando os elementos de tudo que ele nos falou nessa noite especial.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso na aula ao vivo do FIA Online.
  1. Aprender com os outros. É importante observar como agem aqueles que dirigem outras pessoas e, na medida do possível, buscar aprender até mesmo pela imitação daqueles que forem bons modelos para você.
  2. Comunicar-se. Conseguir transmitir ao outro e garantir que o outro receba o sinal que você pretendia. Falar é importante e é preciso calibrar a mensagem para que ela seja corretamente enviada aos diferentes públicos e ouvintes. É preciso estar atento para sentir que o outro adere ao sinal que foi enviado.
  3. Capacidade de compreender e ouvir o outro, em especial aqueles que são seus subordinados.  Não há liderança se a pessoa na função de gestão não se preocupar com o interlocutor. Se você não é capaz de escutar o outro, você não consegue liderar nada. É recomendável você se informar o máximo que puder sobre quem é o outro e quais seus anseios, interessar-se de fato por quem está do outro lado da mensagem.
  4. Estabelecer confiança. As pessoas só vão falar se confiarem em você. A posição de poder “aterroriza” e fica difícil saber realmente o que o outro pensa. Então, é preciso criar uma relação e um ambiente de confiança para que as pessoas se sintam à vontade para falar o que pensam e o que estão enxergando nas situações, principalmente se o que é percebido pelas pessoas contraria o que o líder pensa ou acredita.
  5. Permitir-se ter dúvida (o tempo todo), mas decidir. “Enquanto você tem dúvida, você está vivo”, disse ele. Ser capaz de ter autocrítica para se cercar de quem discorda de você, ouvi-los e refletir, lembrando-se que o ônus da decisão é sempre do líder
  6. Cercar-se dos melhores. Se você não tiver a capacidade de se unir a quem é melhor do que você e ficar se cercando de quem é igual ou inferior a você, não vai conseguir fazer nada. Alianças são fundamentais, já que, óbvio, não se faz nada sozinho. A fala de FHC se aproxima de algo que sempre ouvi do meu pai, o professor Moacir Sampaio: “apenas gestores de primeira grandeza se cercam de pessoas de primeira grandeza. Os de segunda categoria normalmente se cercam de gente de terceira; e os de terceira, de gente de quinta!”
  7. Ter objetivos e propósitos na vida. É preciso ter capacidade de sonhar e imaginar que é possível fazer as coisas. Nem sempre vai ser possível, mas tentar fazer o melhor sempre, buscar o sonho e engajar as pessoas nesses ideais.
  8. Expor-se. O líder naturalmente se expõe e, podendo fazer a escolha entre resguardar-se e falar, é melhor se expor, cuidando para não passar dos limites do bom senso. Nesse sentido, pelo menos sempre se tem a certeza de que se buscou explicar o que motivou suas ações, na tentativa de dar clareza aos fatos.
  9. Estudar e se preparar, mas manter a humildade. “Leitura é indispensável a vida inteira”, como disse o ex-presidente. Além dos clássicos – e cada geração tem aqueles autores que são imprescindíveis (para FHC foram Marx, Weber e Durkheim, como ele mesmo citou) – estar atento ao que está nos jornais também é útil. Cabe lembrar aqui que o ex-presidente foi professor em Stanford e Berkeley, nos EUA, Cambridge, na Inglaterra e da École des hautes études en sciences sociales, na França.
  10. Passar o bastão. Sempre contribuir enquanto você for útil, viver o seu momento enquanto for possível, com alegria. Mas chega uma hora em que é necessário passar o bastão para outras gerações.

Segundo o ex-presidente, esses são aspectos que, em certa medida, são difíceis de se colocar em prática, mas, ao mesmo tempo, são perfeitamente factíveis. Começando pela lição número 1, acho que vale a pena ouvir a voz da experiência e buscar agir na direção dos itens dessa lista.

Imagem ilustrativa: Embed from Getty Images

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O que gestores devem aprender com um pouso em Marte?

Quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021, vimos mais um capítulo da história ser escrito, transmitido em tempo real. Quer dizer, quase tempo real, com uma defasagem de 11 minutos para as informações chegarem do planeta Marte até nós, aqui na Terra. A sonda Perseverance fez um pouso perfeito em Marte. E o que você, gestor ou gestora dos mais diversos tipos de negócios ou organizações, pode aprender com isso?

Fazia muito tempo que eu não escrevia por aqui, reflexo de um período afastado para terminar o doutorado e iniciar alguns projetos e, com isso, acabei deixando o A Tal da Gestão de lado. Porém, tive o estímulo que faltava para voltar a falar sobre temas que provoquem reflexões para uma gestão mais efetiva. O feito histórico da última quinta-feira não ganhou o devido destaque nos jornais, talvez até mesmo por muitas pessoas não se darem conta da complexidade e da façanha que é pousar um robô em outro planeta, depois de viajar quase 500 milhões de quilômetros, ao longo de quase 7 meses – e mais, com 90% de seu time trabalhando trabalhando em home office!

Assim como boa parte do mundo, a equipe do Mars rover está se esforçando em direção ao trabalho crítico da missão enquanto coloca a saúde e a segurança de seus colegas e comunidade em primeiro lugar.

How NASA’s Perseverance Mars Team Adjusted to Work in the Time of Coronavirus

Nem preciso entrar nos detalhes do que essa missão pode trazer de ganhos para a nossa espécie, pois há muita gente no meio científico repercutindo essa questão (veja por exemplo a série de lives nos canais do Planetário Ibirapuera e do Mensageiro Sideral). Sobre os custos, pouco a falar também. A missão Mars 2020 – Perseverance custou 2,7 bilhões de dólares, algo em torno de 15 bilhões de reais (hoje). Para efeitos de comparação, a Copa do Mundo de 2014 custou 25 bilhões de reais à época (cerca de 35 bilhões de reais em valores de hoje). O crucial para conseguir esse feito não está na gestão dos custos, nas planilhas, mas no que acontece por trás delas, realizado pelas pessoas.

Vale a pena ver um trecho da entrevista coletiva da NASA logo após o pouso, em especial a parte do Dr. Thomas Zurbuchen, que inclui a revisita ao emocionante instante do pouso, do minuto 36:44 ao 43:18.

Ele rasgou o plano de contingência, mas é graças à existência desse plano que a missão pôde ser bem sucedida. Discuto isso logo a seguir. É preciso ressaltar que aquele momento foi a primeira vez em meses que a equipe esteve na mesma sala. E, claro, destacar a seguinte frase dita por ele:

As três coisas mais importantes que criam sucesso no jogo – e isso também é válido para a NASA … e aqui vão as três, em ordem de prioridade: a equipe, a equipe e a equipe!

Thomas Zurbucher, Associate Administrator NASA

As pessoas é que fazem a diferença. É clichê e todo mundo fala. Mas a prática SEMPRE é diferente. O que mais, olhando de fora e sem aprofundar muito, poderíamos aprender com uma missão como essa? Sem querer esgotar as possibilidades, elenquei 7 pontos de atenção para quem sofre no dia a dia com ‘missões’ não tão ambiciosas quanto pousar em outro planeta para estudá-lo, mas que causam muito mais ansiedade.

1. Objetivo muito claro e pactuado. Todas as pessoas envolvidas têm clareza do que vai acontecer, o que se está buscando, qual o objetivo da missão. Lembrando que o objetivo não é chegar loucamente em Marte (já pousamos no planeta outras 8 vezes), mas realizar estudos específicos para perguntas bem definidas, por exemplo, será que houve algum tipo de vida em passado remoto naquele planeta?

2. Responsabilidades claras e confiança. As pessoas conseguem saber qual a sua contribuição e a importância dela. Quem pôde ver a transmissão do pouso da Perseverance notou que depois de realizado o pouso, outra equipe assumiu os postos na sala de controle. Era hora de começar a coletar as imagens, de processar as informações. Era hora de passar o bastão. E as pessoas da equipe confiam umas nas outras. Uma boa gestão deixa claro quem vai fazer o que e quando, o que se espera das pessoas e por que cada atuação é importante; e, principalmente, estabelece um clima de confiança entre todos.

3. Prioridades bem estabelecidas. Em um cenário de escassez de recursos (mesmo com alguns bilhões, não dá para fazer tudo) é sempre necessário fazer escolhas. Todas as pessoas envolvidas nesse incrível trabalho são informadas sobre o que é prioritário e o que vem depois. É também por isso que as missões têm prazo de validade. Chega um momento em que é muito custoso manter um time e recursos alocados indefinidamente para algo que já trouxe os resultados pretendidos.

4. Compromisso com o triângulo prazo-escopo-custo. Em missões espaciais como a Perseverance, o lançamento só é possível quando os planetas estão próximos o suficiente (a famosa janela de lançamento de poucos dias). Tudo precisa estar encadeado a partir da data de lançamento (30 de julho de 2020 para a Perseverance). E não estou dizendo que é uma boa ideia definir datas de lançamento (de produtos ou sites por exemplo) e vincular tudo a isso, pelo contrário. O compromisso com a qualidade e com a viabilidade da entrega (escopo) deve ser um princípio anterior ao pacto com a data. Por isso, missões espaciais são abortadas, não é mesmo? É o caso da ExoMars, cujo lançamento foi postergado em dois anos. Obviamente, o orçamento é uma parte importante nesse equilíbrio, como sempre preconiza a boa gestão de projetos.

5. Planejamento e riscos. Tenta-se pensar em absolutamente TUDO. Uma missão como essa é cara e muita coisa pode dar errado. Por esse motivo, o gerenciamento de riscos assume um papel primordial. Há backups e sistemas redundantes. O Plano B tem que ser muito bem estruturado. A máxima que aprendi quando organizava viagens de observação do céu, em cursos de astronomia, é “quanto melhor o plano B, menos você precisa dele” – e isso é muito bem simbolizado quando o Dr. Zurbuchen rasga o plano de contingência [minuto 37 do vídeo]. Parece bobo, mas é muito claro, pois quando você faz um plano B decentemente, você pensa em muitas coisas que podem dar errado e, dessa forma, prepara medidas de contingência e de mitigação para cada risco identificado. É o que coloca sondas em Marte e é o que deveria orientar nosso trabalho na Terra: dispor mais tempo para pensar e sair menos correndo para ‘apagar incêndios’. Dizem que se você tiver 20 minutos para cortar uma árvore, você deve gastar 15 minutos afiando o machado, o exemplo continua bom, mesmo se pensarmos que derrubar uma árvore é uma péssima ideia para os tempos atuais.

6. Comunicação. Nenhuma missão chega a Marte ou sai do solo terrestre apenas por que um chefe quer. A informação, desde a concepção e até o pouso, como vimos, precisar circular – e circular com eficiência. Todos os itens acima dependem de comunicação clara e precisa. Os 7 minutos de terror não têm esse nome por acaso, pois é o único momento da missão em que se está no “escuro”, sem informação. A missão Apollo 13 embora objetivamente possa ter sido considerada um fracasso, foi muito bem sucedida em trazer de volta todos os astronautas vivos para a Terra. Isso só foi possível porque havia gente trabalhando na Terra e se comunicando eficientemente com os tripulantes da capsula que não conseguiu cumprir o objetivo de pousar na Lua. Em momentos de crise, a comunicação é ainda mais necessária. Malcom Gladwell conta muito bem em seu livro Outlier e em uma palestra como a cultura pode afetar a comunicação e levar a quedas de aviões – e o que se precisa fazer para não mitigarmos as mensagens que precisam ser ditas.

7. Pessoas, pessoas e pessoas. Todo aparato tecnológico é fantástico. Mas ele não voa sozinho. Alguém precisa construí-lo, alguém precisa programá-lo ou escolher o algoritmo que vai guiar seu pouso. O filme Estrelas Além do Tempo ilustra muito bem essa questão, pois a despeito da tecnologia da época, as protagonistas da história é que calculavam as trajetórias dos módulos lunares. A tecnologia, as ferramentas não fazem nada sozinhas. Antes de usar o computador, Alan Turing precisou construí-lo a partir de uma ideia. Apesar de eu ter elencado como último item da lista, sem dúvida, é o fator mais importante. Nada justifica não investir tempo para as pessoas e não dispor recursos para que elas se desenvolvam. Nenhuma questão deve ser mais prioritária do que aquelas que se relacionem a integridade e o bem-estar das pessoas, afinal, sem seu engajamento, nada acontece.

Curiosamente (e propositalmente), esses pontos elencados são praticamente releituras dos 14 princípios definidos por Henri Fayol, escritos há mais de 100 anos, em sua obra Administração Industrial e Geral. Com as adaptações necessárias, as ideias centrais desses princípios funcionam tanto quanto as Leis de Newton para as viagens interplanetárias. Os gestores que querem alçar grandes voos (e realizar pousos memoráveis) precisam usar seu tempo com sabedoria. Dedicá-lo a estudar, a pensar e, principalmente, à equipe, à equipe e à equipe.

Ilustração da Mars Perseverance Rover pousando em Marte – Crédito: NASA/JPL-Caltech

Acertar na entrada é a melhor saída

Essa é de 1999. Sim, faz tempo. Estava no meu primeiro ano da graduação em física e minha principal forma de deslocamento para a faculdade era o transporte público. Em uma das idas ou vindas, lembro-me de uma conversa entre um aluno e um professor, sentados no banco em frente a mim, no ônibus.

Dizia o aluno: “mas professor, desde quando o vestibular avalia conhecimento?”. Foi um tema que chamou a atenção, afinal eu havia acabado de passar pelo maior vestibular do país, a FUVEST. Então, foquei a atenção na conversa dos dois, já que era um assunto que me interessava e ainda estava “quente” naquele início de ano.

E o aluno continuou: “Vestibular não avalia nada. É gincana! Sim, professor, gincana! Não ganha quem sabe mais, ganha quem pinta mais bolinhas certas!”.

Só achei graça na hora e, embora achasse que a probabilidade de pintar bolinhas certas fosse maior para aqueles que estudassem (ou, na verdade, que estivessem mais bem treinados), não pude discordar.

folha de resposta

A gincana de pintar bolinhas ainda é o principal mecanismo para seleção de alunos para entrar nas faculdades. E hoje, a maior delas é o ENEM. Pelo menos, a maioria dessas provas exige que o aluno escreva, no mínimo, uma redação e que responda a questões abertas, o que deveria permitir, teoricamente, avaliar seu poder de argumentação e alguns outros aspectos que passariam batido apenas com a prova objetiva.

Você utilizaria esse método para contratar alguém em uma empresa?

É bem verdade que existem empresas de ponta, principalmente as grandes consultorias, que utilizam em uma das fases do processo seletivo provas com questões de raciocínio lógico, raciocínio verbal, inglês, e até alguns modelos pré-formatados importados como o GMAT. No entanto, elas não se contentam em escolher simplesmente as pessoas que mais pintaram bolinhas certas (mesmo que seja muito improvável um desempenho destacado nesse tipo de teste ser obra do mero acaso). Após a prova, algumas empresas fazem dinâmicas de grupo, outras fazem etapas de resolução de casos e, em praticamente 100% dos casos, são realizadas entrevistas com os candidatos. Claro que também há exageros até nessa parte. Mas parece ser um crivo mais sensato.

O objetivo é simples: minimizar a probabilidade de colocar uma pessoa inadequada para desempenhar determinada função. Nenhuma prova ou teste consegue simular a real condição de trabalho a que a pessoa será submetida. Mas uma avaliação criteriosa do conjunto pode tentar mapear se os candidatos possuem ou não as competências necessárias para o que as empresas procuram. E as empresas contratam porque têm problemas, não por caridade. Querem pessoas que consigam resolvê-los.

E por falar em problemas, é inegável que o setor público no Brasil os tem aos montes. Talvez muito mais complexos do que os da maioria das empresas. Precisamos, então, de pessoas muito qualificadas para resolvê-los. Não falo só do gabinete dos ministros e secretários, mas, principalmente, da base de funcionários que vai colocar a mão na massa, que vai colocar as políticas (para o bem ou para o mal) para funcionar.

E como é feita a seleção na maioria dos casos? Acertou. Gincana!

É possível contar nos dedos os exemplos de concursos públicos que utilizam outras fases, como provas com questões abertas ou que levem em conta o passado profissional dos candidatos. O problema? É que ao utilizar fases menos “objetivas” o risco de impuganção do concurso aumenta exponencialmente. A meta parece ser a de ter o mínimo de questionamento possível na esfera jurídica. A preocupação é com a impessoalidade e com a isonomia e não com a gestão.

Para quem tiver interesse na questão, recomendo uma das entrevistas da série Conversações, produzida pela Unidade Central de Recursos Humanos do Governo de São Paulo. Tive o prazer de trabalhar em algumas ocasiões tanto com o Thiago Souza Santos, diretor da Unidade, quanto com o meu xará, Fernando Coelho, professor da USP. Vale a pena assistir pelo menos a esse segmento da conversa entre eles:

Acrescentando ao tema, a excelente análise de outro xará meu, o Fernando Lanzer, sobre os aspectos culturais que ajudam a entender a corrupção no Brasil, vai ao ponto. Porém, na minha humilde opinião, também é necessário colocar na mesa a questão da entrada no setor público. E isso se liga diretamente aos concursos e à motivação de quem vai atrás dessa perspectiva de carreira.

A busca por estabilidade e por um ganho certo (e até uma perspectiva de aposentadoria) parecem ser mais fortes do que as características individuais da pessoa e as funções que serão desempenhadas após o sucesso na gincana, digo, na prova. Essa busca pela estabilidade, que motiva muitos dos concurseiros, pode ser norteada pela dimensão cultural Orientação para o Desempenho versus Qualidade de Vida, uma das dimensões culturais do trabalho seminal do psicólogo holandês Geert Hofstede.

Antes de mais nada, é inegável o nível de dedicação, esforço e estudo necessários para se ter sucesso na maioria dos exames de concursos públicos. Contudo, um aspecto não é levado em conta: será que esses candidatos bem classificados têm o perfil ou têm as competências de que nós aqui em determinado órgão público precisamos?

Porém, se não colocarmos as pessoas com o perfil de competências adequado nas funções públicas, a porta para o mau desempenho se abre. Ainda mais se o desempenho não é, culturalmente, uma prioridade. E como tenho dito, a incompetência precede a corrupção. Não porque os novos ingressantes no serviço público terão uma propensão maior à corrupção, longe disso. Mas porque, ao não ter o perfil de competências necessário para a solução dos problemas de gestão (por exemplo), o caminho fica facilitado para os mal intencionados que conhecem e exploram as falhas do sistema.

Em 1999, quando vi aquele diálogo no ônibus a caminho da faculdade, se eu fosse a algum restaurante, precisava escolher o que iria comer com base na coluna da direita do cardápio, isto é, pelo preço. Depois olhava a coluna da esquerda para ver o que era e se eu gostava ou não dos ingredientes que compunham aquele prato.

Noto que boa parte das pessoas que prestam concursos públicos têm utilizado uma sistemática parecida. Olham na coluna da direita para ver os salários (buscam os mais elevados, é claro, ao contrário do que eu fazia no restaurante) e depois vão para a coluna da esquerda para ver se possuem os requisitos (isto é, formação exigida). E aí parece não importar se a função é de papiloscopista da polícia federal, analista administrativo de uma agência reguladora ou fiscal da receita federal.

escolhendo concurso

Agora, vamos combinar que são atividades completamente distintas e que exigem perfis que deveriam, em teoria, ser completamente diferentes. Quem tiver paciência pode procurar as provas e editais desses concursos e ver se há uma grande distinção no processo seletivo ou no conteúdo do exame. Não há.

Vale a pena dar uma olhada em outro segmento da conversa a que me referi acima:

Outra questão a se colocar em pauta, é que o concurseiro típico, pelo menos nos concursos mais desejados, é alguém recém-formado, na “pegada” para fazer provas. Isso, em si, não é um problema. Mas é preciso levar em conta que aquela será a primeira experiência de trabalho de grande parte dos ingressantes. Aqueles que já estão na organização terão um papel crucial na formação dessas pessoas. E isso deve ir muito além da clássica repreensão de que os novos funcionários estão “trabalhando demais”.

Uma etapa de formação ainda durante a seleção pode ser um bom caminho. Um acompanhamento próximo nos primeiros meses e anos dos recém-ingressados pode garantir um desempenho superior lá na frente, ou até mesmo, encontrar outro lugar para que aquele novo funcionário possa trabalhar melhor, de acordo com suas competências. As empresas fazem isso com a preparação daqueles que podem vir a ser executivos, os trainees, e com investimentos crescentes em educação corporativa.

De uma forma geral, o que se quer é que aqueles recursos obtidos pelos nossos impostos sejam bem aplicados (e aqui está a alusão aos patinhos amarelos da figura em destaque neste post). Então isso vale para todo o sistema, desde quem entra pelas provas dos concursos até quem é escolhido para ficar, no estágio probatório. Este é justamente um elemento negligenciado no processo. https://www.youtube.com/watch?v=HgvtMGHzCNAO estágio probatório não pode ser um mero cumprimento de formalidade. Ele pode ajudar a barrar aqueles que não têm o perfil para o trabalho

Repensar completamente qual o perfil das pessoas que precisam entrar nos órgãos públicos para resolver os problemas complexos que aí se apresentam está na base de uma mudança significativa das nossas instituições. Talvez essa medida não garanta a solução dos problemas, mas, uma vez que tudo que é feito dentro de uma organização é feito por pessoas, tentar selecionar as melhores dentro da perspectiva do que precisa ser feito, pelo menos aumenta a chance de que isso ocorra. O crucial é definir mais criteriosamente quem vai entrar. Essa parece ser uma boa saída.

 

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